O COCO

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Foto: Adriana Santana (Nordestinos da Gema -Facebook)

COCO

No início do século XVI, não havia coqueirais nas praias do Nordeste, e a paisagem era,
portanto, imensamente diferente da que conhecemos agora. O coco, tão nosso, é uma fruta
estrangeira – uma das primeiras plantas a serem trazidas e disseminadas por aqui. E
certamente uma das mais bem-sucedidas entre as muitas viagens de espécimes vegetais na
“globalização” botânica promovida pelas navegações portuguesas. Como a cana-de-açúcar, o
coco disseminou-se pelos trópicos, sendo sua origem controversa (talvez seja nativo do
sudeste asiático). Transportado por caravelas e galeões portugueses, espalhou-se pela África,
pelas ilhas atlânticas e pelo Brasil, e entranhou-se às novas terras como se fosse uma planta
nativa.
Gabriel Soares de Sousa conta que as mudas de coqueiro chegaram à Bahia vindas de
Cabo Verde, e que aqui os cocos eram, segundo ele, melhores que na Índia e “maiores e
melhores que em outras partes”. Apesar disso e da abundância do fruto, ainda não havia
penetrado na cozinha brasileira. Não há referências, nos cronistas do nosso primeiro século,
ao uso do coco na doçaria ou ao leite de coco no preparo de pratos.
Ainda segundo Soares de Sousa, não se dava muito valor ao coco no Brasil e não havia
“quem lhe soubesse aproveitar dos muitos usos que na Índia se faz”. Já no século XVII, frei
Vicente do Salvador dizia: “Cultivam-se palmeiras de cocos grandes, colhem-se muitos,
principalmente à vista do mar, mas só os comem e lhes bebem a água que têm dentro, sem os
mais proveitos que tiram na Índia.” Não apenas na Índia mas em outras regiões do Oriente, de
onde era nativo, o Cocos nucifera era empregado de muitas maneiras, e não só na culinária.
O médico português radicado em Goa Garcia da Orta dedica um capítulo de seu livro de
botânica ao coco, enumerando seus usos: a madeira era empregada em velas e cordas de
navios, as folhas para cobertura de casas, a seiva do tronco para aguardente e para açúcar
escuro, a casca do fruto para cordas e para ser adornada por ourives, a polpa para vários
tipos de óleos medicinais e para o leite de coco empregado nos pratos de curry e para cozer
arroz, entre outros muitos usos.
A rainha d. Catarina, avó de d. Sebastião, era uma aficcionada, e pedia que lhe
mandassem sempre da Índia. O coco precisaria de mais de um século para ser aproveitado em
toda sua potencialidade, até surgir nas cocadas e nos pratos salgados com leite de coco.
Câmara Cascudo registra que no final do século XVI na África Oriental, em Sofala, já se fazia
arrozdoce com leite de coco. Mas no Brasil, a moda demoraria a chegar.
O corsário inglês Richard Hawkins, que esteve no Brasil e em países da América
espanhola, nos conta que se acreditava que a água de coco tinha uma propriedade singular, a
de conservar a maciez da pele, e que por isso, na Espanha e em Portugal, as damas lavavam
costumeiramente o rosto e o pescoço com essa água.
Quando os portugueses conheceram o fruto, no Oriente, este chamava-se tenga, na língua
dos malabares, e narle, no idioma dos canariis. Mas preferiram chamá-lo de coco. Pelo que
relatam alguns escritores do século XVI, “coco” era o nome empregado para designar o que
conhecemos como bicho-papão. Escreve o historiador português João de Barros: “Os nossos
lhe chamaram coco, nome imposto pelas mulheres a qualquer coisa com que querem fazer
medo às crianças, o qual nome assim lhe ficou, que ninguém lhe sabe outro.”

Fonte: Do livro; Delícias do Descobrimento, de Sheila Moura Hue - A Gastronomia Brasileira do Século XVI- Ed. Hadar

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